Caso foi registrado como acidente de trânsito, mas testemunha revelou ao delegado que vítima foi agredida por um dos policiais militares da Ronda Escolar. Corregedoria e Ouvidoria acompanham.
Por Glauco Araújo, G1 SP — São Paulo, com edição do CCBN
Violonista Rian Rogério dos Santos, 18 anos, morreu após ser agredido por um policial militar e cair da motocicleta. — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal |
25/05/2019 | Dois soldados da 1ª Companhia do 33º Batalhão da Polícia Militar são investigados pela morte do serralheiro e violinista Rian Rogério dos Santos, 18 anos, ocorrida na noite desta terça-feira (21), na Rua Juscelino Kubitscheck, em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Ele se desequilibrou da motocicleta, que dirigia ao passar por uma viatura da Ronda Escolar e bateu com a cabeça em uma mureta.
O caso foi registrado no 1º Distrito Policial de Carapicuíba por outros policiais militares inicialmente como morte em acidente de trânsito. A Corregedoria da Polícia Militar está acompanhando a investigação do caso. O mesmo é feito pela Ouvidoria das Polícias e pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe).
O depoimento de uma testemunha, que prefere não se identificar por medo de represália, disse que o violinista só se desequilibrou da moto e sofreu o acidente porque foi atingido por um golpe de tonfa (cassetete usado por policiais militares) no pescoço, enquanto dirigia a motocicleta para encontrar com uma amiga na frente da Escola Estadual Professor Natalino Fidêncio.
As declarações dessa testemunha foram decisivas para que a investigação contra os dois soldados começasse e as condições da morte de Rian ficasse sob suspeita (leia mais abaixo). O atestado de óbito menciona traumatismo craniano, acidente de trânsito e agente contundente.
Morte de Rian Rogério foi registrada como acidente de trânsito, mas testemunha revelou ao delegado que vítima foi agredida por um dos policiais militares da Ronda Escolar — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal |
Rian foi sepultado na quarta-feira (22) no Cemitério Memorial Park Alpha Campus, em Jandira, sob forte comoção de amigos e familiares, principalmente da Congregação Cristã no Brasil. Ele era músico na igreja que frequentava com a família e fazia parte do grupo de jovens da congregação. Os pais dele estão em estado de choque e pedem por justiça.
“A gente nunca imaginou que isso poderia acontecer na nossa família. Os pais e a família toda do Rian é muito religiosa”, disse ao G1 Roseli de Oliveira, 40 anos, tia do menino.
A morte de Rian pegou os moradores do Jardim Horizonte de surpresa. “Soubemos pelos vizinhos que vieram nos avisar. Ele era conhecido. Ele morreu a menos de um quilômetro da casa dele”, disse a tia.
Rian trabalhava na serralheria com o irmão e com o tio. Minutos antes de ser morto, ele tinha acabado de sair do trabalho e passado de moto na casa de um amigo.
“Ele foi se encontrar com um amigo dele, que está com o pai desaparecido, para congregar com ele na igreja. Enquanto esperava o amigo se arrumar, ele recebeu uma mensagem de uma amiga, que queria falar com ele na frente na escola”, disse a tia.
Letalidade policial aumentou
Um balanço preliminar, feito pela Ouvidoria das Polícias, do número de mortos em confrontos com a PM no mês de abril, aponta que mortes envolvendo policiais militares em serviço e de folga aumentaram 9% na comparação com o mesmo período do ano passado.
Em abril deste ano, 75 pessoas foram mortas por policiais militar em todo o estado, segundo o levantamento divulgado ouvidor Benedito Mariano. Em abril de 2018, 69 foram mortas por PMs nos municípios paulistas.
PMs investigados
Quando foi registrada a morte de Rian como acidente de trânsito, os policiais militares (não investigados) informaram que foram solicitados via Copom (Centro de Operações da Polícia Militar) para atender a uma ocorrência de acidente de trânsito com vítima. Eles receberam do médico do Samu a informação de que chegaram a levar a vítima para o Pronto-Socorro da Vila Dirce, onde chegou a receber os primeiros cuidados, mas não resistido aos ferimentos, concentrados no rosto.
Na mesma ocorrência, os policiais militares informaram à Polícia Civil que não foram encontradas testemunhas do acidente e que só encontraram a motocicleta no local, nem sinais de capacete, sinalizando que a vítima "não usava capacete."
A motocicleta foi devolvida para Douglas Ranieli dos Santos, irmão da vítima. A polícia constatou que a vítima não tinha habilitação. O local ficou prejudicado para o trabalho da perícia.
Algumas horas depois, no mesmo 1º DP de Carapicuíba, um estudante da Escola Estadual Professor Natalino Fidêncio, disse que não conhece o violinista Rian, mas que havia presenciado o que que tinha acontecido com ele.
No depoimento dele à polícia, ele informou que Rian estava de capacete (diferente do que os PMs disseram ao registrar o acidente de trânsito), mas com as lanternas da motocicleta apagadas. Ele descreveu que o violinista dirigia sem oferecer risco às pessoas na rua, em baixa velocidade.
A testemunha disse que viu quando Rian passou com a motocicleta pela rua, na frente da entrada da escola, onde estava parada uma viatura da Ronda Escolar (M33100), com dois policiais ao lado de fora do veículo. Em seguida, Rian voltou com a moto e, ao passar diante dos policiais, foi quando um deles pegou a tonfa e golpeou a cabeça da vítima, o que fez com que ele ficasse desorientado até atingir uma mureta, machucando o rosto.
Ainda de acordo com o depoimento, um outro estudante da escola foi aos policiais e pediu que eles socorressem Rian, mas recebeu a seguinte declaração de um dos policiais de que "não deviam satisfações para ninguém", entraram na viatura e foram embora, cantando pneu e com os faróis e luzes apagados.
A testemunha informou ainda sobre a chegada do Samu e dos policiais militares que registraram o acidente de trânsito. Estes policiais foram avisados sobre a presença da viatura da Ronda Escolar na frente da escola e sobre o ocorrido, mas eles se "recusaram a constar no relatório" essas informações.
Rian Rogério tocava violino na igreja com a família e também costumava ser chamado para tocar em casamentos — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal |
Ouvidoria das Polícias e Corregedoria da PM acompanham o caso
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou que "todas as circunstâncias envolvendo a ocorrência são investigadas, por meio de inquérito policial, no 1º DP de Carapicuíba. Os policiais e testemunhas estão sendo ouvidos. A Polícia Militar acompanha as investigações."
O ouvidor da Polícia de São Paulo, Benedito Mariano, disse ao G1 que vai ouvir a família do violinista na próxima semana. "O caso é grave. Vamos ouvir a família da vítima e instaurar procedimento para pedir providências da Corregedoria da Polícia Militar."
O advogado do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe), Ariel de Castro Alves, disse que vai acompanhar o caso. "Conversei com os familiares do Rian e estaremos cobrando apurações isentas em mais esse caso de morte possivelmente decorrente de violência policial. Mais um jovem trabalhador, cheio de planos e sonhos, que provavelmente foi vítima de quem deveria protegê-lo".
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